Antevisão da exposição de fotografia de Pedro Medeiros na Galeria de Arte da Casa da Mutualidade
No início deste projeto, quando o Pedro Medeiros me explicou a sua colaboração com a APCC – Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, A Previdência Portuguesa – Associação Mutualista e com os organizadores do Festival LUNA FEST, o Victor Torpedo e o Tito Santana, propondo o título Stardust para esta exposição, eu pensei imediatamente que essa palavra, paradoxalmente, continha tudo o que era necessário compreender sobre as fotografias que ele tinha realizado durante os cinco dias verdadeiramente alucinantes que decorreram em Coimbra, entre 26 e 30 de agosto de 2023.
Com a aparente simplicidade de uma palavra, é possível conter todos os sentidos desta partilha com os objetivos sinceros que mobilizaram esta colaboração, que pretende simultaneamente marcar a continuidade de um projeto como Galeria de Arte e o início da Cafetaria da Casa da Mutualidade, assegurado por utentes da APCC com muita simpatia e qualidade.
Todos somos parte deste elemento, Stardust, as partículas cósmicas que provam a nossa integração e relação com a imensidão do Universo, porque partilhamos com as estrelas 97% do mesmo tipo de átomos, mas muitos de nós, em vez deste sentimento de pertença, já experimentámos na nossa própria pele as consequências de comportamentos de pré-julgamento e exclusão, ou do acentuar de divisões e diferenças.
É assim fundamental sublinhar esta passagem das palavras aos atos, e a importância de criar verdadeiras oportunidades para a participação social de todos, e de todas.
Para o Pedro Medeiros, a relação entre fotografia e música é um território de possibilidades que já estão presentes no seu trabalho desde a década de 80 do século passado, quer na colaboração com editoras, músicos e bandas, quer através da atenção ao trabalho de autores como Robert Frank, Mick Rock, Brian Duffy, Masayoshi Sukita ou Pennie Smith.
Em 2023, com o acordo dos organizadores do LUNA FEST, o autor teve liberdade criativa para fotografar músicos, backstage, palco, público, sem compromissos com horários ou exigências de produção, e este trabalho, que aqui é apresentado numa seleção de 50 fotografias a preto e branco, impulsionou uma procura, na leitura da exposição, com um paralelo desse processo disruptivo e extirpado de convencionalismos, ou seja, não impondo leituras cronológicas nem um registo de teor documental ou fotojornalístico.
A preocupação fundamental foi dar espaço à exposição do seu processo de interrogação e experimentação, quer singularizando uma fotografia, propondo um desafio à percepção de quem vê, quer deslocando o foco da construção de um registo onde a prioridade fosse “o aqui e agora da obra de arte – a sua existência única no lugar onde se encontra”, tal como Walter Benjamin a apontava, para um horizonte diferente, sinuoso e denso, aberto à discussão entre o observador e o retratado, mas que não deixe ninguém indiferente, sem sentir comoção e prazer ao ver esta exposição.
É disso exemplo a primeira fotografia, a mão que irrompe na nossa direção do Fausto Sousa, vocalista e único membro da formação original dos 5ª Punkada, e a fotografia final, a despedida dos Gang of Four, dois concertos absolutamente extraordinários, intemporais e vibrantes de autenticidade, que baralharam maravilhosamente as datas de 2023 com 1977.
Podia ser em Londres, em Berlim ou Nova Iorque, mas face ao que estava a acontecer em Coimbra, e perante o espanto que foi ver o John Cale logo no primeiro dia, todos sentimos colectivamente que algo especial estava a acontecer.
Os limites das expectativas ao longo dos 5 dias transformaram-se num estado de suspensão, e de repente, tudo fazia sentido, DAF, Black Lips, La Femme, A Certain Ratio, ou mesmo ver os The Fleshtones em Coimbra a homenagear os Ramones…
No total assistimos a 27 espetáculos num quase delírio esperado ao longo de décadas, registado numa sismografia que se instalou entre o palco e o público, com atenção ao retrato numa métrica não convencional, procurando o olhar singular que se desenrola entre a multidão, envolvida num “caos optimista” (pedindo emprestadas as palavras ao Arthur Miller) que continua no nosso olhar.
Neste processo de criação, ao mesmo tempo íntimo e pessoal, Pedro Medeiros redirecionou a câmara para outras subtis ressonâncias entre o poder evocativo que o Parque Verde do Mondego ofereceu às noites do Luna Fest e o seu próprio mapa de referências visuais, como o filme The Night of The Hunter, realizado em 1955 por Charles Laughton, com uma cinematografia inquietante e transcendente de Stanley Cortez, que nos convoca, de novo, a um olhar demorado, atento, para além da superfície da imagem.
Na sua dimensão social, Luna STARDUST é também um projecto que na procura de um gesto generoso e solidário, disponibilizará a possibilidade de aquisição das fotografias em exposição com receitas que revertem para o projeto do LUNA FEST e da APCC – Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, afirmando-se como um exemplo de que a arte e a música, com o apoio da Associação Mutualista A Previdência Portuguesa, podem contribuir para um novo território de sociabilidade, mais aberto e inclusivo, e em permanente expansão, possibilitando continuar no tempo a intensidade vivida nestes momentos.
Filipe Ribeiro
Pedro Medeiros
Nasceu em Fevereiro de 1969.
Entre 1993 e 1999, foi membro do Centro de Estudos de Fotografia e dos Encontros de Fotografia de Coimbra.
Em 1997 ingressou na Ar.Co –
Centro de Arte e Comunicação Visual e na Escola de Fotografia MauMaus, em Lisboa, prosseguindo os seus estudos em Inglaterra no London College of
Printing (2000-2001), como Bolseiro do Ministério da Cultura / Centro Português
de Fotografia.
Fotógrafo freelancer desde 1999. Viveu e trabalhou em Londres, Inglaterra, entre 1999 e 2001, e em Quioto, Japão, entre 2015 e 2017.
Expõe desde 1997, tendo realizado exposições em Portugal, Espanha, Brasil, América do Norte, Inglaterra, Grécia, Ucrânia, Japão, Dinamarca, Holanda, Polónia, França, África do Sul, China.
Autor de vários livros e monografias, está representado em coleções públicas e privadas, nomeadamente:
- Ministério da Cultura / Centro Português de Fotografia, Coleção Nacional de Fotografia;
- CAV Centro de Artes Visuais – Encontros de Fotografia;
- CAPC – Círculo de Artes Plásticas de Coimbra;
- Coleção de Arte Contemporânea do Estado – Centro de Arte Contemporânea de Coimbra (CACC);
- Coleção de Arte Moderna e Contemporânea — Norlinda e José Lima;
- AA Contemporary Art Collection – Colecção de Arte Contemporânea de Ana Cristina e António Albertino;
- Coleção privada de Nuno e Teresa Freitas;
- Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico;
- Ministério da Cultura – Direção Regional de Cultura do Centro;
- Galeria Sete – Arte Contemporânea;
- Ministério da Justiça – Direção Geral dos Serviços Prisionais;
- Embaixada de Portugal no Japão;
- Fundação Inês de Castro;
- Centro Cultural Vila Flor;
- Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura;
- Universidade de Coimbra;
- Centro de Documentação 25 de Abril;
- Centro de Estudos Sociais;
- Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio;
- Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto;
- Teatro Académico de Gil Vicente;
- Saúde em Português – Associação de Profissionais de Cuidados de Saúde dos Países de Língua Portuguesa;
- Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal;
- Bluepharma – Indústria Farmacêutica;
- Exploratório – Centro Ciência Viva de Coimbra.