Se isto lhe parece como o início de uma conversa normal, arrisco-me a dizer-lhe que esta conversa é também uma conversa sobre Saúde Mental.

Curioso como aparentemente cuidamos assim do outro, mas como temos tanto pudor em dizer-lhe (ou em dizer-nos) “Se calhar podias procurar alguém* para te ajudar a lidar com isso.” Olhando a este cenário encontramos logo alguns entraves. Vejamos: primeiramente seria preciso que um primeiro interlocutor se dispusesse a ser verdadeiramente transparente sobre aquilo que o incomoda. Quando, na verdade, tantas vezes se fecha em copas numa resposta “Tudo bem”, quando se sente a sufocar por dentro, ou quando ninguém sequer imagina o que é necessário para cumprir as mais simples tarefas do dia-a-dia.

Em segundo lugar, seria ainda preciso alguém admitir que precisa de ajuda. De que tipo de ajuda é que se pode precisar? São só sentimentos, pensamentos. Não são coisas sérias, como trabalhar, interpretar leis, fazer relatórios ou gerir dinheiro no banco.  

É preciso ter sensibilidade para entender como tantas vezes somos nós que limitamos a nossa experiência de vida. Como tantas vezes são as nossas raízes, as nossas características, o nosso “feitio” que moldam a nossa forma de ser, e que nos fazem assumir um sofrimento que, tantas vezes, era dispensável.

E, depois, não sofremos sozinhos – de forma consciente (ou não) fazemos sofrer os outros. Porque simplesmente não temos disponibilidade nem para nós, quanto mais para os outros. Disponibilidade para lidar com as nossas emoções, inseguranças, dúvidas.

Quando não nos entendemos, não podemos entender o outro verdadeiramente.

E falar sobre Saúde Mental é isto mesmo. É saber que é preciso por a mão na consciência de cada um de nós: olhar para dentro. É saber que todos temos uma carie de vez em quando, ou uma dor, ou um alto que não passa, e que, nesses casos, todos os motivos são bons para “ir ver isso”.

Contudo, quando a ansiedade se instala, quando há uma tristeza que não passa, ou se há um medo que nos bloqueia, temos é que: “ser fortes, rijos”, “tentar esquecer”, “ser mais positivo”. Há uma incoerência gritante nestes assuntos. É urgente normalizar a procura de ajuda psicológica e psiquiátrica. É urgente normalizar falar sobre os nossos pensamentos e sentimentos. É urgente normalizar e respeitar os períodos de descanso e de lazer.

Ter Saúde Mental é a base para uma vida saudável e equilibrada. Não é sobre ser feliz, não é sobre não sofrer. É sobre viver uma vida plena, valorizada, sem limites. É sobre olharmos para nós enquanto seres humanos com corpo e mente – seres que naturalmente precisam de afeto, descanso, viver em comunidade, ser úteis, ser ouvidos e compreendidos.

Fica bem. Cuida-te.

*leia-se Psicólogo Clínico (esta ave rara que continua a ser tão difícil de mencionar para alguns)